MDF. Parecem apenas três letras, mas quem já trabalhou com vendas indiretas sabe que podem transformar ou engessar, toda uma estratégia de canais. Os Market Development Funds, como diz o nome, são fundos financeiros reservados para desenvolver o mercado via atividades apoiadas pelos parceiros de uma empresa. Mas o conceito, na prática, vai bem além de simplesmente distribuir verba para publicidade ou brindes. Ele requer método, clareza e até um pouco de sensibilidade. E, acima de tudo, contribui (ou deveria contribuir) para atrair e reter parceiros com perfil de longo prazo.
O que é MDF e por que não é só mais um incentivo de canal?
A confusão é comum: muitos pensam que MDF é só mais um bônus, campanha pontual ou ação de performance. Só que não. MDF não é exatamente um prêmio, mas quase uma aposta conjunta. Enquanto um bônus recompensa a venda depois que ela acontece, o MDF entra antes do negócio acontecer, ajudando parceiros a ativar mercados, divulgar soluções, participar de eventos ou criar iniciativas que fortalecem a marca e geram pipeline.
No contexto de SaaS e tecnologia, exemplos frequentes de uso do MDF incluem:
- Patrocínio de webinars ou eventos locais focados em segmentações estratégicas.
- Apoio a iniciativas de inbound, como criação de conteúdos, anúncios ou mini-sites temáticos.
- Custeio de treinamentos, roadshows ou programas de certificação para equipes parceiras.
- Desenvolvimento de cases e produção de vídeos ou depoimentos de clientes conjuntos.
- Campanhas digitais customizadas, rodando landing pages do próprio parceiro com verba compartilhada.
MDF é colocar combustível extra na parceria antes do resultado aparecer.
É diferente de SPIFs (Sales Performance Incentive Funds), que são pagos direto na venda. Também não se limita a rebates – que são descontos pós-venda, nem a premiações, como viagens ou brindes. O MDF incentiva o crescimento do canal, amplia marca e oportunidades, em vez de focar só em transações fechadas.
Por que o MDF ainda enfrenta resistência?
Pode soar estranho, mas a maioria das empresas ainda não domina o MDF. Ao menos, se dominam, podem não executar do jeito mais produtivo possível. Pesquisas mostram um lado meio frustrante: cerca de 60% dos fundos de MDF não são utilizados globalmente. Ou seja, o dinheiro disponível fica parado, e ninguém (nem empresa, nem parceiro) colhe resultado.
Do outro lado, há uma certa desconfiança. Muitos parceiros escutam sobre MDF, mas não sabem se terão acesso ao fundo, se realmente podem sugerir ações, ou até se a prestação de contas vai virar um transtorno.
Falta de clareza mata o desempenho do MDF mais do que a falta de verba.
Segundo a IDC, empresas que criam estratégias bem estruturadas de MDF têm uma taxa de crescimento anual entre 1,5 a 2 vezes maior do que aquelas que deixam o fundo de lado. O problema? Nem sempre é fácil estabelecer critérios, comunicar as regras e engajar o canal para propor as melhores ações.
Como estruturar o MDF dentro do programa de canais
Implantar MDF não começa na planilha de orçamento. Começa em uma política clara, justa e prática. Abaixo, um roteiro para criar um programa de MDF que realmente funcione e engaje parceiros:
1. defina objetivos reais e mensuráveis
Antes de separar cifras, é preciso responder: qual objetivo o fundo serve? Gerar leads? Abrir uma nova praça? Estimular produtos que patinam nas vendas? Cada meta pede ações e critérios diferentes.
Objetivo sem métrica vira gasto sem resultado.
Por isso, cases de SaaS que evoluíram o canal com MDF quase sempre associam o fundo a resultados tangíveis: leads gerados, MQLs entregues, vendas qualificadas ou engajamento em eventos. Não existe uma resposta pronta, mas definir indicadores antes do orçamento é o ponto de partida.
2. estabeleça regras simples e transparentes
Um MDF burocrático afasta mais do que aproxima parceiros. A política de uso deve ser fácil de compreender, com:
- Critérios de aprovação objetivos: Quem pode solicitar? O fundo é só para parceiros de determinado nível (Gold, Platinum etc.) ou aberto a todos? Precisa ter atingido algum target para poder participar?
- Processo de solicitação: Como o parceiro apresenta uma proposta? Por formulário? Requer plano de ação detalhado? Quais os prazos de resposta?
- Previsão de valores: Quanto cada parceiro pode solicitar? Existe teto por projeto, ou limite anual?
- Obrigação de contrapartida: O parceiro precisa investir também recurso próprio? Se sim, qual proporção?
- Prazos e formas de prestação de contas: Quais documentos comprobatórios são exigidos? Até quando devem ser entregues?
Nem sempre todas essas regras estarão presentes, mas quanto mais previsível, mais seguro o programa se torna.
3. crie um fluxo de aprovação com agilidade
Longas filas de espera, reanálise a cada etapa e dúvidas sobre quem autoriza podem sufocar as melhores ideias. O processo ideal seria assim:
- Parceiro envia proposta enxuta, com resumo da ação, objetivo, orçamento estimado e entregáveis.
- Equipe de canais avalia, aprova (ou pede ajustes) em prazo rápido geralmente 7 a 10 dias.
- Parâmetros e critérios de decisão são comunicados junto ao feedback.
- Após execução, parceiro entrega prestação de contas.
- Empresa valida e repassa o reembolso ou parcela final, conforme política.
Isso dá confiança e incentiva o engajamento.
Como comunicar e envolver os parceiros nos benefícios do MDF
Há um consenso entre especialistas do setor, a comunicação muitas vezes é feita pela metade. O lançamento de MDF vira um comunicado vago, sem detalhar formatos ou dar exemplos. E fique atento: segundo a IDC, o baixo engajamento na solicitação do MDF decorre principalmente de falta de informação ou insegurança dos parceiros quanto ao processo. Por isso:
Conte histórias reais de sucesso
Não há nada melhor do que exemplos práticos de parceiros que conquistaram bons resultados. Mostre:
- Cases de incremento de leads após patrocinar evento local.
- Como determinada campanha resultou em vendas ou novos clientes para o parceiro.
- Depoimentos sobre facilidade no processo de aprovação ou prestação de contas.
Pessoas se inspiram em gente parecida, não só em slides.
Use múltiplos canais para informar
Comunicar benefícios de MDF exige multiplataforma: newsletters, reuniões online, treinamentos e até grupos fechados de parceiros trazem resultados diferentes para públicos diferentes.
Inclua exemplos no portal do parceiro, deixe FAQs acessíveis e mantenha uma pessoa de contato para dúvidas rápidas.
Combata o medo de complexidade e controle
Total transparência sobre critérios, prazos e até limitações evita ruídos. Como já afirmado por Paulo de Godoy, o canal precisa se sentir tratado como extensão da equipe e não apenas como agentes externos.
Ações promocionais e eventos: multiplicando resultados com MDF
A mágica do MDF aparece mesmo em ações de impacto coletivo. Em SaaS, alguns exemplos realmente funcionam:
- Webinars estratégicos em segmentos verticais (ex: saúde, educação) o parceiro traz público, a empresa reforça posicionamento técnico.
- Eventos presenciais (workshops, rodadas de negócio) em cidades-alvo para gerar pipeline.
- Campanhas digitais personalizadas, onde cada parceiro recebe verba para investir em anúncios segmentados, mas com brand guidelines acordadas.
- Treinamentos e certificações que elevam o nível da equipe parceira, gerando confiança para ciclos de venda consultiva.
Essa combinação, eventos e campanha digital, costuma produzir efeitos mais evidentes. Só para ilustrar, a Atlassian observou crescimento de 10% em sua participação de mercado após um ano estruturando MDF em canais, com apoio massivo a eventos regionais e treinamentos.
MDF bem aplicado transforma cada parceiro em promotor da sua marca, e não só em um vendedor.
Co-criação funciona melhor do que receita de bolo
Abra espaço para que os parceiros proponham ideias de ação ao invés de apenas liberar verba para iniciativas-padrão. Parcerias que crescem são aquelas em que o canal sente que pode agregar criatividade e entende claramente o impacto gerado.
Mensuração, retorno e prevenção de mau uso do MDF
Deixar o MDF “solto” não costuma terminar bem. É preciso balancear confiança e controle, garantindo que o fundo seja investido em iniciativas que realmente impulsionam resultados.
Quais entregáveis pedir na prestação de contas?
A prestação de contas não deve ser um pesadelo. O básico é:
- Comprovação de gastos (notas fiscais, extratos, etc);
- Relatórios de performance do evento ou campanha (número de leads, público envolvido, novos contatos, etc);
- Análise comparativa: o que mudou após aquela ação (ex: crescimento de base, reuniões marcadas, vendas iniciadas)?
Como medir o ROI do MDF?
Pode parecer difícil medir o retorno, mas é uma tarefa possível quando objetivos estão alinhados. Para eventos e treinamentos, acompanhamento de leads criados e conversões; para campanhas digitais, rastreio via UTM ou códigos de tracking; para webinars, preenchimento de formulários exclusivos do parceiro. Cada caso pede métrica própria.
Se não dá para medir, talvez não valha investir.
O fundamental? Discutir junto os resultados, ao invés de cobrar número absoluto. Isso gera crescimento mútuo, aprendizagem e melhora o relacionamento entre empresa e canal.
Prevenindo fraudes, exageros e conflitos
É raro, mas acontece: ações que simulam eventos, notas fiscais infladas, uso do MDF para despesas proibidas. O segredo está em:
- Limitar as categorias de despesa aceitas (foco em ações mercadológicas, não estruturais ou administrativas).
- Solicitar orçamentos prévios sempre que o valor superar o limite estipulado.
- Exigir comprovação visual de ações executadas (fotos, prints, depoimentos, vídeos).
- Cruzar resultados com base CRM/PRM, ação que não gera lead novo merece revisão do próximo investimento.
Quando há um manual de regras e exemplos de bons usos (e também de práticas não permitidas), as fraudes diminuem e o parceiro correto se anima para participar.
Como MDF fortalece captação e retenção de parceiros?
Ninguém constrói canal saudável só baseado em comissionamento. O MDF permite aumentar a atratividade do programa para bons players, fortalecer vínculos de longo prazo e criar dinâmica de confiança, desde que utilize alguns pilares:
- Acesso democrático ao fundo: Abrir MDF para todos os parceiros engajados (mesmo os menores) estimula entrada de novos inscritos.
- Reconhecimento público dos melhores projetos: Contar histórias dos parceiros que usaram MDF e trouxeram bons resultados incentiva outros.
- Feedback constante: Após cada ação, dar retorno sobre o resultado real, aprendizados e próximos passos.
- Espaço para inovação local: Permitir ações criadas no contexto do parceiro, aliás, ali surgem as ideias mais originais.
Empresas que tratam parceiros como extensões da equipe atraem aliados, não apenas representantes.
Uma captação sólida passa por estrutura, comunicação e acompanhamento, nunca só pelo valor da verba.
Passos práticos para atrair mais parceiros usando MDF como diferencial
Se o objetivo for captar parceiros qualificados, vale colocar o MDF como destaque real na oferta do programa de canal. Mas sem prometer mundo e fundos. O apelo está em mostrar:
- Versatilidade do fundo, uso em campanhas digitais, treinamentos, eventos locais e iniciativas próprias.
- Celeridade de aprovação, políticas transparentes tornam a experiência simples e incentivam inscrições.
- Evidência dos resultados anteriores “Veja como nosso parceiro X cresceu após rodar sua campanha baseada no MDF”.
- Clareza sobre retorno e acompanhamento conjunto, métricas, reuniões de debriefing e planos de reinvestimento.
Isso pode ser comunicado em materiais de onboarding, reuniões de apresentação, ou até página detalhada no portal do parceiro (com exemplos do que já foi realizado, FAQs e contatos para dúvidas). Quem valoriza parceiro tende a atrair e reter quem realmente busca crescer.
Erros comuns ao implementar MDF (e como evitar)
Apesar dos benefícios, tropeços ainda são frequentes em programas de MDF. Alguns deles podem passar despercebidos até por gestores experientes:
- MDF só para os grandes: Limitar acesso a parceiros de maior porte desengaja novas entradas. Pequenos parceiros inovadores podem trazer resultados surpreendentes se bem estimulados.
- Excesso de burocracia: Manuais longos, exigência de relatórios complexos e falta de respostas rápidas geram desistência.
- Ausência de métricas claras: Sem KPI, qualquer ação vira gasto, não investimento.
- Comunicação vaga: O parceiro precisa saber o que pode, como pedir, qual o prazo e como prestar contas; e isso precisa ser dito com clareza e exemplos reais.
- Fundo isolado das demais iniciativas de canal: O MDF faz parte de um ecossistema, integração com gestão de leads, performance e engajamento potencializa resultados (para saber mais sobre integração de sistemas de canal, veja este artigo sobre integrações).
Como o MDF se conecta aos demais pilares do programa de parceiros
O MDF não opera sozinho. Ele ganha força quando se conecta com outras ferramentas de canal, como portais de parceiros (veja um guia sobre portais de parceiros aqui), sistemas de gestão de leads compartilhados (boas práticas para organizar leads por canal), e dashboards de performance.
O acompanhamento de resultados também pode ser integrado a rotinas de reuniões de canal, cases apresentados em eventos internos e até programas de capacitação. Aqui estão ótimas dicas de como potencializar as vendas B2B com gestão de parceiros.
Para empresas em expansão, especialmente em SaaS, o MDF bem utilizado pode ser adaptado mesmo quando o canal ainda é pequeno (entenda como justificar cada investimento nesse cenário).
Parceria não é só comissão. É oportunidade e confiança alimentadas com investimento inteligente.
MDF como motor de relacionamentos de longo prazo
No fim, MDF é sobre reciprocidade real. O canal sente quando é apenas mais um número na planilha e quando ocupa espaço de protagonista no crescimento da empresa. A estatística da IDC revela: programas bem desenhados de MDF aumentam a taxa anual de crescimento das empresas em até duas vezes.
Mas existe um detalhe fácil de esquecer: é preciso investir em clareza, escuta ativa dos parceiros e acompanhamento frequente. MDF não é garantia de resultado, nunca será, mas pode ser o fator que diferencia a marca diante da concorrência e um convite permanente para captar, encantar e fidelizar parceiros cada vez mais estratégicos.
Pense como alguém que fez parte tanto do time quanto do canal: falta generosidade e confiança nos projetos frios. Quando a relação transparece segurança e oportunidade conjunta, a verba rende mais. Os resultados aparecem naturalmente (ainda que vez ou outra seja preciso ajustar a rota).
E se for para investir, que seja em quem aposta junto, não só em quem vende por obrigação. MDF não é só sobre dinheiro. É sobre construir juntos.