Nos bastidores das empresas SaaS, existe aquela sensação de que quanto mais controle, melhor. Que tal criar internamente tudo o que é estratégico? A teoria parece sedutora. Mas, quando se trata de sistemas de gestão de parcerias, a escolha entre construir uma solução própria ou adotar um PRM pronto é tudo, menos simples. Nem sempre o caminho do “feito sob medida” leva ao melhor destino. Muitas vezes, pode colocar seu SaaS em um impasse silencioso, daqueles difíceis de reverter.
O que está em jogo não é só velocidade ou desempenho. É a própria capacidade da empresa de crescer, inovar, manter a cultura e atender bem aos parceiros. Mas como saber se desenvolver seu próprio PRM realmente faz sentido? Vamos caminhar pelas dúvidas, pelos medos e pelas dores e quem sabe, deixar as certezas um pouco de lado.
As decisões mais importantes nem sempre mostram o preço logo na etiqueta.
O dilema de construir ou adotar
É comum ouvir: “Nossa operação é única. Só nós sabemos exatamente o que precisamos”. Esse argumento impulsiona empresas a internalizarem a construção de plataformas para parceiros, com expectativas altas e calculadoras na mão. O problema é que essa escolha nem sempre considera os custos invisíveis nem a complexidade crescente.
Do outro lado, plataformas PRM prontas prometem rapidez, padronização e updates constantes, mas levantam dúvidas quanto à flexibilidade diante de demandas muito específicas. A conta nunca é exata. Escolher é abandonar alguns benefícios para priorizar outros.
Desafios de construir um PRM interno
1. Custos que ninguém vê
- Salários da equipe de desenvolvimento: Não é só alocar um par de devs por alguns meses.
- Gestão de projeto: Planejamento, backlog, refinamento, retrabalho, documentação… O tempo some.
- Infraestrutura e integrações: Servidores, backups, atualizações de segurança e sistemas legados que mudam o tempo todo.
- Especialistas pontuais: Raros, caros, e difíceis de reter para desafios de arquitetura, segurança ou integrações complexas.
- Testes, QA e manutenção: Bugs aparecem do nada e versões antigas quebram no meio do processo.
Segundo dados do mercado de PRMs, custos de implementação e manutenção estão entre as principais barreiras até para grandes empresas, principalmente quando tentam desenvolver a própria solução.
O barato vira caro, silenciosamente, dentro de casa.
2. Prazos que escorrem entre os dedos
No cronograma, tudo encaixa direitinho. Sprints fechadas, releases programadas. E então: imprevistos. Demanda urgente da equipe comercial, bugs críticos em produção, mudanças legislativas. O PRM interno passa para as tarefas “quando sobrar tempo”. E nunca sobra.
No papel, meses viram trimestres, trimestres viram anos. Enquanto isso, os parceiros seguem sem acesso, reclamando. Outros recursos da empresa também emperram, à espera do “nosso PRM”.
O software nunca fica pronto. Só fica menos imperfeito.
3. Manutenção: o fardo invisível
Manutenção é aquela parte escondida do iceberg. Não aparece na apresentação, mas é onde os projetos encalham. Release após release traz demandas de melhoria, bugs pipocam inesperadamente, integrações mudam. Tudo exige refatoração, ajuste, monitoramento.
Segundo uma pesquisa sobre desenvolvimento de software customizado, 72% das equipes lidam com dívida técnica e 40% relatam que isso afeta a capacidade de inovar e entregar novas funcionalidades. Imagine dividir esforços entre manter o legacy do PRM e entregar novidades que realmente trazem valor ao cliente final.
Eventualmente, o time começa a evitar mexer em partes antigas do código, por medo do que pode quebrar. O acúmulo de ajustes técnicos vira um labirinto que só os devs com mais tempo de casa conhecem por inteiro.
4. Escalabilidade que não é só técnica
Escalar um PRM não significa apenas colocá-lo na nuvem e dobrar a capacidade de servidores. Envolve refinar arquitetura para suportar múltiplos parceiros, diferentes tipos de comissão, segmentos de negócio, regras de permissão. Muitos SaaS de sucesso tropeçam na hora de fazer o PRM suportar centenas de parceiros com requisitos distintos.
Construir e manter arquitetura multi-tenant exige cuidado com segurança, isolamento, personalização e performance. Falhas em um detalhe de arquitetura podem comprometer todos os clientes ao mesmo tempo, como discute este guia sobre multi-tenant para SaaS.
Um PRM que serve bem a dez parceiros não necessariamente sustenta quatrocentos.
5. A dependência que ninguém quer admitir
Na teoria, ter o time interno à disposição parece uma vantagem. Só que a dependência técnica cresce. O conhecimento se concentra em algumas pessoas, que acumulam contexto sobre módulos críticos, integrações e detalhes do negócio.
Quando um desenvolvedor-chave sai, leva junto parte desse labirinto. O risco é ficar refém de poucos profissionais, ou pior, perder capacidade de evoluir o produto.
Além disso, limitações no acesso a especialistas tornaram-se um dos grandes desafios enfrentados por equipes internas, especialmente para requisitos técnicos mais avançados, típicos de PRMs modernos.
Comparando PRMs prontos e soluções próprias na prática
Flexibilidade versus padrão
Um dos principais argumentos a favor do PRM próprio é a personalização. Sim, dá para criar fluxos, regras de comissão, painéis exatamente como a empresa sonha. Só que, na prática, o nível de esforço cresce exponencialmente conforme a complexidade aumenta.
O detalhe único que você precisava vira o bug impossível de resolver daqui a 1 ano.
PRMs prontos oferecem recursos baseados em padrões de mercado. Cenários de comissão recorrente, mecanismos de clawback, integrações, e principalmente funções para engajar e motivar parceiros como mostram exemplos de uso avançado. A limitação é não moldar tudo “exatamente como se quer”, mas, em troca, ganha-se evolução contínua e menos manutenção inesperada.
Integração: o gordo gargalo
Conectar com o CRM, ERP, sistema financeiro, ferramentas de BI… Desenvolver esses conectores e mantê-los vivos ao longo do tempo torna a solução interna cada vez mais frágil. Já PRMs prontos vêm preparados para as integrações mais comuns, cobrindo cenários extensivos, incluindo APIs abertas e conectores para automações.
No PRM desenvolvido em casa, cada nova integração pode demorar semanas ou meses, além de aumentar o risco de bugs e incompatibilidades. Sem contar o teste em ambiente real, que geralmente revela problemas bem depois do deploy.
Segurança e conformidade
Um PRM precisa lidar com dados sensíveis: políticas de comissão, dados pessoais, métricas de vendas e pipelines de parceiros. Investir em privacidade, controles de acesso, criptografia e rastreabilidade consome tempo e habilidades técnicas.
Soluções prontas têm times dedicados monitorando riscos, corrigindo falhas e respondendo rapidamente a novas exigências de compliance. Podem não cobrir 100% de casos específicos, mas superam a maioria dos PRMs caseiros, que, por limitação de equipe, focam no “básico que está funcionando”.
Exemplo prático: empresa que mudou de abordagem
Lembrei de uma SaaS de edtech brasileira que, há poucos anos, começou investindo quase um ano inteiro (e boa parte do orçamento de TI) para criar seu próprio módulo de gestão de parceiros. No papel, o “PRM personalizado” prometia controle total de regras de repasse, negociação exclusiva com escolas, relatórios detalhados para time comercial.
Na prática, nunca saiu do MVP (mínimo produto viável). A carga de manutenção disparou, e o time de produto virou refém das correções e retrabalhos. O engajamento dos parceiros caiu, pois as integrações com CRM e ERP nunca ficaram estáveis. Cerca de um ano depois, optaram por substituir a solução interna por uma plataforma pronta. O onboarding dos parceiros saltou e o time técnico conseguiu voltar a focar no core do SaaS.
Situação parecida se repetiu em uma healthtech: começaram investindo pesado na construção do PRM próprio, mas o saque de desenvolvedores e o desânimo com a pilha de bugs levaram à decisão de migrar para uma plataforma pronta. No fim, sentiram até alívio em perder um pouco da flexibilidade, já que ganhavam atualização constante e estabilidade para crescer com o canal de vendas.
Como calcular o custo total de propriedade (TCO)
Muita gente foca só no orçamento inicial. Mas o custo real de um PRM próprio está em camadas invisíveis, que só aparecem com o tempo. O TCO (Total Cost of Ownership) revela quanto de fato custa e esse número sempre cresce.
- Desenvolvimento inicial: salários, horas técnicas, licenças, infraestrutura.
- Customizações: adaptações feitas ao longo do projeto que nem sempre são previstas.
- Integrações: cada nova conexão aumenta o tempo e o custo.
- Manutenção corretiva: conserto de bugs, ajustes para acompanhar mudanças externas.
- Manutenção evolutiva: desenvolvimento de novas funcionalidades demandadas pelo negócio.
- Suporte: atendimento interno aos parceiros e aos próprios times da empresa.
- Hardware e atualização: upgrades de servidores, backups, compliance.
- Dívida técnica: código legado que demanda retrabalho, como apontam estudos sobre o impacto da dívida técnica em inovação.
- Dependência de especialistas: custos de treinamentos e substituição de pessoas-chave.
O custo não para de crescer, mesmo quando o produto não evolui.
Perguntas essenciais antes de decidir
Antes de ir para o caminho do PRM interno, é bom (mesmo) responder com sinceridade algumas perguntas. São aquelas perguntas que evitam surpresas e discussões indesejadas lá na frente.
- Quais processos de parceria são realmente únicos e exigem customização total?
- Quantas integrações com sistemas externos já precisamos fazer hoje e quantas serão necessárias nos próximos 2 anos?
- Quanto tempo nossa equipe de TI está, de fato, disponível para sustentar um produto fora do core?
- O que perdemos se nosso PRM ficar estagnado por falta de melhorias durante meses?
- Quanto tempo e dinheiro já foram investidos em projetos internos que não chegaram à versão estável?
- Estamos dispostos a manter uma equipe técnica só para cuidar do PRM?
- Como garantiremos segurança, isolamento de dados e compliance sem equipes especializadas?
- Qual o impacto de bugs ou downtimes frequentes na relação com nossos parceiros?
- Existe plano de contingência se pessoas-chave saírem?
É um exercício desconfortável. Mas quase sempre é o que separa projetos maduros daqueles que viram um “peso” na rotina da empresa.
Caminhos para testar plataformas prontas sem travar processos
A decisão de adotar um PRM pronto costuma vir acompanhada do medo de parar tudo. Mudar processos de parceiros, migrar leads, redefinir comissionamento… Pode soar como um “big-bang” transformador demais.
Na prática, empresas maduras apostam em modelos de teste gradual para não correr riscos. Algumas estratégias podem ajudar a não paralisar operações:
- Criar piloto com grupo restrito de parceiros, mantendo o sistema antigo rodando em paralelo.
- Importar apenas leads novos no início, enquanto dados antigos seguem pela solução interna.
- Iniciar apenas com funcionalidades básicas, expandindo para regras complexas conforme a equipe ganha confiança.
- Manter o suporte manual durante a fase de teste, reduzindo fricção antes da automação completa.
- Documentar ajustes necessários nos processos para decidir, ao final do piloto, se a plataforma pronta atende plenamente.
Experimentar não é comprometer todo o negócio. É se dar a chance de errar pequeno.
Outra vantagem de plataformas já consolidadas é que, ao adotar exemplos de sucesso e melhores práticas, o aprendizado é compartilhado. Relatos de empresas que escalaram canais sem inventar enormes complexidades estão em casos como usos de PRM para poucos parceiros e em boas práticas de engajamento.
Por que o PRM próprio trava seu SaaS no longo prazo
Mesmo com dedicação máxima, o PRM feito em casa demora a atingir maturidade. O time acaba dividindo esforços com o core do SaaS. Bugs aparecem, integrações ficam frágeis, demandas de parceiros crescem. Todo pequeno avanço consome energia demais.
O verdadeiro bloqueio não está só na tecnologia. Está no tempo que deixa de ser investido no que realmente diferencia o SaaS o produto principal, a experiência do usuário, o roadmap que gera vendas novas. Enquanto isso, concorrentes crescem, engajam mais parceiros, inovam rápido.
Estudos sobre desenvolvimento interno mostram que a gestão da dívida técnica vira um gargalo difícil de superar. Projetos internos envelhecem mal, aumentam a dependência de profissionais específicos e obrigam retrabalhos constantes, além de limitarem a capacidade de inovar em áreas realmente estratégicas.
A aposta na solução feita em casa tinha um objetivo: garantir vantagens exclusivas. O que se entrega, no fim, é um produto quase genérico, caro, difícil de manter e, aos poucos, deixado de lado por falta de energia (ou paciência) para continuar gastando nesse ciclo.
E quando o PRM pronto “não serve tudo”?
É verdade: nenhuma plataforma pronta do mundo vai cobrir 100% das necessidades desde o primeiro dia. Só que, do outro lado, customizar um PRM do zero consome ciclos de desenvolvimento que poderiam estar voltados ao seu produto principal. O trade-off existe.
Tem empresas que insistem no caminho interno por não encontrarem integrações específicas. Outras, por políticas de comissionamento extremamente únicas. Mas, avaliando o tanto de recursos internos gastos versus o impacto dessas necessidades sobre a operação, a conta raramente fecha. Principalmente porque ferramentas maduras vêm evoluindo rápido, cobrindo cada vez mais cenários inclusive estratégias para escalar vendas B2B.
Aceitar sair do perfeito para o viável é o que diferencia empresas que conseguem crescer das que travam no próprio orgulho.
Em tecnologia e negócios, nem sempre escolher construir é sinal de força. Muitas vezes, é só sinal de não querer abrir mão do controle. E esse controle pode ser o pior inimigo do seu crescimento.